Desligou a TV e foi para a cozinha preparar o almoço. Estava chocada com as notícias do dia. Um homem bomba cometera um atentado no Afeganistão e matara pelo menos 300 inocentes. O atentado se justificou pelo amor a Deus. No Brasil, um homem fora preso por matar a mulher e a filha a facadas em um apartamento na zona sul do Rio de Janeiro. O motivo: amor.
Ainda estava acabando de fazer o almoço quando o marido chegou em casa. Estava contente e trazia nas mãos uma caixa de papelão com vários furos nas laterais e na parte superior. Desligou o fogão e, ao chamado do marido, também movida por certa curiosidade, foi ver o que tinha dentro da caixa. Será que era um presente para ela? Mas o que seria? Não conseguia imaginar. O marido não era lá um homem tão romântico e presente àquela altura... Tudo bem que era uma boa esposa. Amava e respeitava o marido, cuidava da casa, era fiel... Então a caixa fora aberta. Surpresa. Lá dentro, encolhido e tímido, o pássaro preto se escondia no fundo da caixa. “- Não é lindo?”. E como falar ao marido que não? Ela não era muito chegada a bichos, mas olhando o pássaro lá no fundo da caixa, bem que ele tinha seus encantos. Trataram logo de arrumar um lugar para o bichinho. Ele não ficava preso, pois não se adaptou bem à gaiola. O amor do marido pelo pássaro cresceu. Era todo cuidados e mimos. Chegava do trabalho e corria direto para as asas do pássaro. Punha comida, dava água, banho, cantavam juntos... Depois jantava, dava um beijo na mulher e ia assistir TV. O pássaro pousava ao lado do sofá e por lá ficava até a hora de dormir. E a relação com a mulher só piorava. Era pior do que se ele tivesse uma amante. Dividir a atenção do marido com um pássaro. E ela odiava o animal a cada dia. Nunca sentira isso antes. Ela que sempre fora tão meiga tão cheia de amores. Incapaz de fazer mal a menor das criaturas. E via seu casamento se deteriorar a cada dia. Tentou sumir com o bicho enquanto o marido não estava em casa. Ia dizer que fugira pela janela enquanto ela tomava banho. Mas o animal era esperto e deu logo um jeito de se fazer de coitado. O marido brigou com ela. Quase saiu de casa e a ideia de sumir com o pássaro preto é que sumiu. A saída para os problemas era a boa convivência. Mas a ave, com aqueles olhos de piedade, por dentro, era pura vingança. Quando o marido saía para o trabalho a crueldade começava. E tinha início o espetáculo. A ave atacava a mulher. Corria atrás dela por toda a casa. Bicava suas pernas, seus braços, seu cabelo. A mulher gritava. Chamava os vizinhos e até mesmo estranhos que passavam pela rua. Pedia para que prendessem a ave, dessem sumiço nela, mas o pássaro era só simulação. Conquistava o carinho de todos e reinava absoluta no lar que a mulher tanto lutara para construir. Quando o marido chegava era para a ave que ele corria. Acusava a mulher de fazer mal ao indefeso bicho. Ela, então, passava por louca e a ave, por dentro, ria daquela pobre mulher. E todo dia era a mesma cena. Ataques, acusações. A mulher se reduzia a nada dentro de sua própria casa. Até que um dia surgiu a oportunidade perfeita. Ela também sabia ser cruel. Sabia defender o que era seu. Foram viajar. Insistiu para que o marido levasse o pássaro também. Pela primeira vez colocaram-no em uma gaiola. A gaiola fora trancada dentro do porta malas. O pássaro viajou tranqüilo. Sabia do amor do homem por ele. Chegaram ao destino, a mulher jogou todas as suas armas, bem como fazem as mulheres quando o que está em jogo é a família, o lar, a dignidade. E desse modo fez o homem esquecer o pássaro. Esse ficou dias trancado na escuridão do porta malas. Não tinha água nem comida. Teve medo da solidão e da morte. Aos poucos, fraco, foi se definhando. Quando o homem se lembrou já era tarde. Estava morto. A mulher, simulando surpresa, chorava com os olhos e ria com toda a sua alma. Culpou o marido. Como pôde ser tão distraído? E quando tivessem filhos? Não os deixariam sozinhos com ele. O veneno escorria por seus lábios, mas o gosto da vitória era amargo. Olhando para o pássaro sem vida, jogado pelo canto, triunfou, mas logo veio a culpa. Em seguida a pena. Nunca conseguiria retomar o casamento com essa mentira. Como podia ser tão cruel? Pobre ave. Mas foi por amor. E por amor também se mata. Tratou logo de enterrar a ave, consolar o marido e continuar a vida.
Ainda estava acabando de fazer o almoço quando o marido chegou em casa. Estava contente e trazia nas mãos uma caixa de papelão com vários furos nas laterais e na parte superior. Desligou o fogão e, ao chamado do marido, também movida por certa curiosidade, foi ver o que tinha dentro da caixa. Será que era um presente para ela? Mas o que seria? Não conseguia imaginar. O marido não era lá um homem tão romântico e presente àquela altura... Tudo bem que era uma boa esposa. Amava e respeitava o marido, cuidava da casa, era fiel... Então a caixa fora aberta. Surpresa. Lá dentro, encolhido e tímido, o pássaro preto se escondia no fundo da caixa. “- Não é lindo?”. E como falar ao marido que não? Ela não era muito chegada a bichos, mas olhando o pássaro lá no fundo da caixa, bem que ele tinha seus encantos. Trataram logo de arrumar um lugar para o bichinho. Ele não ficava preso, pois não se adaptou bem à gaiola. O amor do marido pelo pássaro cresceu. Era todo cuidados e mimos. Chegava do trabalho e corria direto para as asas do pássaro. Punha comida, dava água, banho, cantavam juntos... Depois jantava, dava um beijo na mulher e ia assistir TV. O pássaro pousava ao lado do sofá e por lá ficava até a hora de dormir. E a relação com a mulher só piorava. Era pior do que se ele tivesse uma amante. Dividir a atenção do marido com um pássaro. E ela odiava o animal a cada dia. Nunca sentira isso antes. Ela que sempre fora tão meiga tão cheia de amores. Incapaz de fazer mal a menor das criaturas. E via seu casamento se deteriorar a cada dia. Tentou sumir com o bicho enquanto o marido não estava em casa. Ia dizer que fugira pela janela enquanto ela tomava banho. Mas o animal era esperto e deu logo um jeito de se fazer de coitado. O marido brigou com ela. Quase saiu de casa e a ideia de sumir com o pássaro preto é que sumiu. A saída para os problemas era a boa convivência. Mas a ave, com aqueles olhos de piedade, por dentro, era pura vingança. Quando o marido saía para o trabalho a crueldade começava. E tinha início o espetáculo. A ave atacava a mulher. Corria atrás dela por toda a casa. Bicava suas pernas, seus braços, seu cabelo. A mulher gritava. Chamava os vizinhos e até mesmo estranhos que passavam pela rua. Pedia para que prendessem a ave, dessem sumiço nela, mas o pássaro era só simulação. Conquistava o carinho de todos e reinava absoluta no lar que a mulher tanto lutara para construir. Quando o marido chegava era para a ave que ele corria. Acusava a mulher de fazer mal ao indefeso bicho. Ela, então, passava por louca e a ave, por dentro, ria daquela pobre mulher. E todo dia era a mesma cena. Ataques, acusações. A mulher se reduzia a nada dentro de sua própria casa. Até que um dia surgiu a oportunidade perfeita. Ela também sabia ser cruel. Sabia defender o que era seu. Foram viajar. Insistiu para que o marido levasse o pássaro também. Pela primeira vez colocaram-no em uma gaiola. A gaiola fora trancada dentro do porta malas. O pássaro viajou tranqüilo. Sabia do amor do homem por ele. Chegaram ao destino, a mulher jogou todas as suas armas, bem como fazem as mulheres quando o que está em jogo é a família, o lar, a dignidade. E desse modo fez o homem esquecer o pássaro. Esse ficou dias trancado na escuridão do porta malas. Não tinha água nem comida. Teve medo da solidão e da morte. Aos poucos, fraco, foi se definhando. Quando o homem se lembrou já era tarde. Estava morto. A mulher, simulando surpresa, chorava com os olhos e ria com toda a sua alma. Culpou o marido. Como pôde ser tão distraído? E quando tivessem filhos? Não os deixariam sozinhos com ele. O veneno escorria por seus lábios, mas o gosto da vitória era amargo. Olhando para o pássaro sem vida, jogado pelo canto, triunfou, mas logo veio a culpa. Em seguida a pena. Nunca conseguiria retomar o casamento com essa mentira. Como podia ser tão cruel? Pobre ave. Mas foi por amor. E por amor também se mata. Tratou logo de enterrar a ave, consolar o marido e continuar a vida.