Não esquecer que por enquanto é tempo de morangos.
Sim." (LISPECTOR, p. 106)
Final de tarde, ainda um pouco tonta fechei o livro. "Tudo começa e termina com um sim" - pensei. Troquei as páginas de Clarice Lispector por um passeio inquietante entre os tantos canais da TV. Foi então que uma imagem me chamou a atenção e, mais do que eu via através da tela, o que ouvia é que me prendia ali. Era uma entrevista da atriz e diretora francesa Fanny Ardant a um canal de TV brasileiro. Era uma mulher muito bonita e inteligente e, em um francês que eu mal entendia, falava sobre cinema, sua vida e sentimentos. Me interessei e pousei meu corpo comodamente em frente a televisão. E por ali permaneci por horas a tentar desvendar outra língua. Me recusava a ler as legendas e pouco entendia daquilo tudo. Foi quando, por um descuido, meus olhos passaram brevemente pelas letras brancas abaixo da imagem de Fanny. Um susto. Todas aquelas letras diziam: " Eu lia como se droga: para esquecer a vida". Aquela única frase que entendi completamente por um descuido me chocou de forma intensa. Era como se tivesse apanhado. Um tapa na cara e eu fiquei ali parada, sem nenhuma reação, em frente a TV. Ela continuava a falar, tranquila. Eu, inquieta. Desliguei a TV. "Lia como se droga" era a única coisa em que conseguia pensar. E aquilo me chocou pela forma agressiva que assumia. Me chocou pela verdade pura, simples, direta. A atriz, com essa frase, respondia ao brasileiro quando ele a questionou se durante a juventude ela lia muito. Eu, então, me reconheci ali. Sempre fui atraída pelo jogo de perder e achar que os autores tanto gostam. E lia tudo. Sem medo. E, ao ouvir aquela frase, percebi que era pelo mesmo motivo. Encontrava nos livros a fuga. Quando me deparava com personagens felizes, minha felicidade se multiplicava. Esquecia os problemas para ser feliz com eles. E se estavam tristes, minha tristeza era pequena. E um sentimento de solidariedade me invadia. Lutava, chorava, corria, aprendia. Era outro mundo. Um mundo que não conhecia completamente. Um submundo, um lugar escuro, que me oferecia sentimentos ilícitos. Um mundo de novas possibilidades, novos caminhos e que, para mim, era tudo o que eu queria ter.
Mas aí lembrei-me de uma música que dizia que "os livros não são sinceros". E aquilo nunca ficou claro para mim. Até aquele instante. Devemos aproveitar as oportunidades que a leitura nos oferece, mas não devemos nos prender a ela. Devemos procurar essas oportunidades não só nas páginas de livros, mas no mundo. Os livros podem ser amigos, mas também sabem ser cruéis. Porque são feitos inteiramente por seres humanos. Quer maior crueldade do que essa? E são formados por palavras, pela linguagem. E a linguagem é inteiramente humana. Barthes disse que a língua é cruel, que condiciona e domina o homem. O homem que sabe usá-la, consequentemente domina outros homens ou, pelo menos, pensa que domina. Mas a verdade é que todos somos dominados por ela. Não só o ato da leitura pode ser comparado ao de se drogar. O de escrever também. Ao escrever o autor cria um mundo que não é o que ele realmente vê. E que nunca poderá ser, pois a linguagem, por mais que tente, nunca chegará perto do real. Então, mais uma vez ela nos engana e nos faz acreditar que aquilo que escrevemos é real, quando, nada mais é, do que apenas uma parte do real. Mas Barthes também afirma que a literatura é a única forma de salvar o homem da arbitrariedade da língua, justamente porque através dela é que temos contato com outros mundos, outras realidades. Mas aí ouço novamente a canção que diz que "os livros não são sinceros" e sou obrigada a concordar com ela. E também concordo com Barthes. Os livros nos dão tudo. Nos oferecem a oportunidade de, pelo menos por um instante, esquecer o que está errado em nossas vidas, nos dão a oportunidade do renascimento, de viver outras vidas, que sao renovadas a cada página que viramos, a cada palavra. Mas são traiçoeiros, porque a nova vida se esgota ali, no último ponto. E dessa vez, não oferecem a oportunidade da escolha e nem nos preparam para isso. Com aquele ponto atiram em nós e definem o fim daquela vida que achávamos ser nova. E assim permanecemos na constante ilusão de que estamos no poder porque temos a língua como aliada. Clarice dizia que a palavra era seu domínio sobre o mundo. E agora questiono se realmente temos esse domínio. Posso mudar o mundo com palavras, é claro. Mas, será mesmo que eu estou no comando? Se leio e escrevo como me drogo, para fugir, será mesmo que tenho esse poder? Ao mesmo tempo que escrevo cartas para amigos e falo sobre flores, posso denunciar mazelas e torturas. Posso calar a censura, mas, ao mesmo tempo, tenho que acreditar nas flores, do contrário, a censura me cala. Então percebo que somos todos dependentes das palavras, da língua. "Minha pátria é a minha língua". Estou sujeito a ela, mas nela também encontro a liberdade. Se "os livros não são sinceros" é porque a língua não o é. É porque o homem não o é. "De quem é o poder? Às vezes você me domina pensando que eu sou teu dono. Me dê poder e eu te mostro o mais inteiro dos sonhos".
Mas aí lembrei-me de uma música que dizia que "os livros não são sinceros". E aquilo nunca ficou claro para mim. Até aquele instante. Devemos aproveitar as oportunidades que a leitura nos oferece, mas não devemos nos prender a ela. Devemos procurar essas oportunidades não só nas páginas de livros, mas no mundo. Os livros podem ser amigos, mas também sabem ser cruéis. Porque são feitos inteiramente por seres humanos. Quer maior crueldade do que essa? E são formados por palavras, pela linguagem. E a linguagem é inteiramente humana. Barthes disse que a língua é cruel, que condiciona e domina o homem. O homem que sabe usá-la, consequentemente domina outros homens ou, pelo menos, pensa que domina. Mas a verdade é que todos somos dominados por ela. Não só o ato da leitura pode ser comparado ao de se drogar. O de escrever também. Ao escrever o autor cria um mundo que não é o que ele realmente vê. E que nunca poderá ser, pois a linguagem, por mais que tente, nunca chegará perto do real. Então, mais uma vez ela nos engana e nos faz acreditar que aquilo que escrevemos é real, quando, nada mais é, do que apenas uma parte do real. Mas Barthes também afirma que a literatura é a única forma de salvar o homem da arbitrariedade da língua, justamente porque através dela é que temos contato com outros mundos, outras realidades. Mas aí ouço novamente a canção que diz que "os livros não são sinceros" e sou obrigada a concordar com ela. E também concordo com Barthes. Os livros nos dão tudo. Nos oferecem a oportunidade de, pelo menos por um instante, esquecer o que está errado em nossas vidas, nos dão a oportunidade do renascimento, de viver outras vidas, que sao renovadas a cada página que viramos, a cada palavra. Mas são traiçoeiros, porque a nova vida se esgota ali, no último ponto. E dessa vez, não oferecem a oportunidade da escolha e nem nos preparam para isso. Com aquele ponto atiram em nós e definem o fim daquela vida que achávamos ser nova. E assim permanecemos na constante ilusão de que estamos no poder porque temos a língua como aliada. Clarice dizia que a palavra era seu domínio sobre o mundo. E agora questiono se realmente temos esse domínio. Posso mudar o mundo com palavras, é claro. Mas, será mesmo que eu estou no comando? Se leio e escrevo como me drogo, para fugir, será mesmo que tenho esse poder? Ao mesmo tempo que escrevo cartas para amigos e falo sobre flores, posso denunciar mazelas e torturas. Posso calar a censura, mas, ao mesmo tempo, tenho que acreditar nas flores, do contrário, a censura me cala. Então percebo que somos todos dependentes das palavras, da língua. "Minha pátria é a minha língua". Estou sujeito a ela, mas nela também encontro a liberdade. Se "os livros não são sinceros" é porque a língua não o é. É porque o homem não o é. "De quem é o poder? Às vezes você me domina pensando que eu sou teu dono. Me dê poder e eu te mostro o mais inteiro dos sonhos".
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