segunda-feira, 25 de julho de 2011

Impressões

A primeira impressão de Santiago, antes mesmo de chegar a Santiago, foi a de que falar espanhol não é tão fácil quanto pensamos. Falar espanhol com outros brasileiros pode até parecer bem simples, as semelhanças com o português também podem enganar. Antes mesmo da saudade, da vontade de comer alguma coisa que só existe no Brasil ou da diferença de temperatura, encontrei a dificuldade em me comunicar. Hoje é o terceiro dia e já estou um pouco mais solta, pero no mucho, si?! Sí, esta é a palavra que mais uso aqui. E vem cheia de gestos com as mãos e com a cabeça. Ontem ouvi de um velho em Santiago: “Se quieres aprender a hablar español, tienes que hablar com las manos”. Sí. As mãos também carregam as palavras e é impressionante como os chilenos falam com as mãos e como tudo em espanhol soa um pouco dramático demais. Falando rápido, com as mãos, os chilenos vão cantando, sim, cantando suas histórias, enquanto meus olhos tentam não perder o ritmo. Atentos, acompanham cada momento. Pensando no que me disse o velho, concordo com ele e acrescento: O espanhol se fala com as mãos e se ouve com os olhos.

domingo, 17 de julho de 2011

A Página em Branco

O medo da página em branco. Podia até ser clichê, bobagem ou fraqueza, mas para ela era sério. Conhecia também o medo do ponto final, na verdade, o medo de colocar um fim. Com que autoridade ela podia colocar fim em alguma coisa, ou até mesmo decidir onde tal coisa começava? Na verdade, as coisas não começavam nem terminavam, simplesmente eram. A questão toda era descobrir quando. Ouvia palavras, inventava frases, soltas. Faziam sentido e ao mesmo tempo não diziam nada. E ela tinha medo do julgamento. Não pertencia a lugar nenhum. Pertencia à sua língua, às palavras que ouvia, inventava e que a arrematavam em um impulso só. Juntar palavras. Nascera para isso e mais nada. Não sabia desenhar belas paisagens ou retratos com a caixa de lápis de cor que ficava em cima da mesa. Não sabia capturar o momento em que a borboleta pousava na flor ou traduzir todos os sentimentos em melodias e filmes que passavam nas paredes encardidas do quarto escuro. Nem histórias ela sabia contar. Só escrevia palavras, sem começo nem fim, na página em branco.

Acompanhava todos os momentos com o olhar de quem não quer perder nada, mas às vezes perdia. Nessas horas, as palavras não davam conta e quando as palavras não mais davam conta de traduzir o olhar é que ela se mostrava. Nua. Desprotegida. Indefesa. Na pura simplicidade de quem apenas vive. Mas quando estava frágil, quase caindo no abismo escuro, as palavras voltavam para resgatá-la. E vinham com uma força só. Brutas e ignorantes em seus significados, como a onda que arrebenta na cabeça, mar bravio que pega e manda para longe, doce canto de sereia que gosta de enganar.

Queria ser forte, fugir do impulso e dominar aquilo que sentia, então escrevia. Mas as palavras tinham vida própria em suas mãos. Nas mãos dos outros eram obedientes e se alinhavam na posição correta. Às vezes ficava horas observando as frases construídas nos livros e canções que tanto gostava. Estavam todas lá, muito bem arquitetadas, as palavras que ela também conhecia. Mas por que não se deixavam tecer em suas mãos? Era jovem, certamente, mas nas mãos dos jovens poetas ficavam cada vez mais lindas e cheias de sentido. Nas suas, escorregavam por entre os dedos. Então ficava a página em branco e depois, o ponto final que não dizia nada.

Conheceu um poeta e descobriu que se apaixonava muito mais pelas palavras do que pelas pessoas. Podia amar sem tocar e nem ao menos conhecer que forma tinha, se era homem ou mulher, preto ou branco. As palavras diziam tudo. Mas amava na medida em que as palavras se arranjavam de tal forma que a faziam não pensar em mais nada, que a faziam apenas querer ouvir e ler até enjoar e não amar mais. Nessa hora, conhecia outro poeta e outras palavras que na verdade, eram as mesmas, mas diziam diferente. E tentava, ela mesma, domar as palavras que tanto amava. Mas de novo, ela só amava o que vinha dos outros. Juntava palavras, mas não conseguia amá-las, porque essas vinham de si.

Tentou copiar o que lia nos livros, nas canções, nos filmes e nas fotografias. Em vão. A cópia nunca ficava igual, pois sempre se deixava levar por suas próprias impressões do mundo, das pessoas e da vida. Então, por mais que soubesse qual palavra usar, seu pensamento e sentimento a levavam para outra. Assim, as palavras erradas iam ganhando, mais uma vez, a página em branco. Então desistiu.

Com o tempo foi se acostumando. Entendeu que nascera para juntar palavras, que não queriam nem deveriam dizer nada. Entendeu que amava. E o amor é assim, passageiro como as palavras. Às vezes escorre pelos dedos, outras vem forte e arrebatador. Não tem fim nem começo, não tem forma quando vem da gente. Não tem que ter gênero, regra, teoria ou conteúdo. Apenas sentimos, juntamos e pronto.