
O lamentável (em todos os sentidos) episódio da morte do cantor Michael Jackson, me fez lembrar outra história. Assisti a toda cobertura feita pela mídia, inclusive aos inúmeros especiais que exibiam a vida e obra (mais a vida) do astro e o grande espetáculo que foi seu funeral e assim, fui remetida ao último romance escrito por Clarice Lispector, A Hora da Estrela, o qual narra a história de Macabéa, uma moça nordestina que chega ao Rio de Janeiro esperançosa, a fim de tentar a vida na cidade grande.
Mas, em que a morte de Michael se relaciona com o livro de Clarice? Mais ainda, como pode Michael, um artista consagrado e detentor de uma grande fortuna, ter alguma semelhança com a protagonista Macabéa, caracterizada pela própria Clarice como “uma moça tão pobre que só comia cachorro quente”?
Macabéa, durante todo o livro é tratada como mais uma entre tantos retirantes que chegaram ao Rio de Janeiro e por isso, sua história de vida não ganha destaque. Isso muda a partir do momento em que, atropelada por um carro, Macabéa morre. Nessa hora, a protagonista tem sua vida reconhecida. Michael, apesar de ter conquistado lugar de destaque devido ao grande sucesso de suas canções mesclado à sua tumultuada vida fora dos palcos, há muito tempo estava fora dos holofotes. Sem lançar material inédito desde 2001 e com o último escândalo, o julgamento por pedofilia, protagonizado em 2005, o rei do Pop fora esquecido pela mídia. Mas, no dia 25 de junho de 2009, Michael ressurgiu com força total. Ironicamente, assim como a personagem de Clarice, após a sua morte.
É nesse ponto que as duas histórias se relacionam. A hora da estrela, que dá título ao romance, é o momento da morte, quando o ser humano não mais é invisível aos olhos das pessoas, que só percebem o quanto ele é importante e faz falta, quando ele não mais existe.
Infelizmente, Michael passou pela sua hora da estrela, hora esta que vem sendo explorada de todas as formas por pessoas que desejam se promover às suas custas, através de matérias sensacionalistas exibidas em todos os veículos de comunicação e grande marketing em cima dos discos produzidos pelo cantor. O que no princípio poderia ser considerado normal, já que o maior nome da música Pop acabara de falecer e a notícia pegara a todos de forma surpreendente, agora, é considerado exagero e desrespeito ao grande artista que Michael é. A notícia de sua morte foi transformada em espetáculo e sacia a fome por ibope que permeia os órgãos de comunicação.
É certo que Michael, como qualquer grande artista, vendeu muitos discos em vida. Mas, com certeza, esses números não superam as vendagens alcançadas após sua morte. Isso indica que suas músicas são melhores hoje do que quando foram lançadas? Não. Apenas indica que quando estava vivo e podia dar espetáculos para todos em todo o mundo, seu trabalho não era tão reconhecido e valorizado. Hoje, como não pode mais cantar, teve suas canções imortalizadas. Com a perda, o mundo percebeu, tardiamente, a falta que Michael fará e corre para comprar todo e qualquer material disponível, como forma de suprir essa falta.
Mais uma vez, a história de Michael esbarra no romance escrito por Clarice Lispector, mais precisamente, no resumo que a autora faz do mesmo: “a história (...) é sobre uma inocência pisada, de uma miséria anônima”, com a pequena diferença de que Michael não é tão anônimo assim.
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