domingo, 17 de março de 2013

Eu não me lembro mais quem me deixou assim (Para ler ao som de Paulinho da Viola)


E aí, rapaz? Estou te escrevendo para falar que não acredito nessas coisas de destino, mas é impressionante como a vida sempre dá seu jeito de brincar com a gente. Eu estava lá, de novo, mesma data, sete meses depois, naquela mesa, tomando a minha cerveja, acendendo um cigarro e jogando conversa fora. Eu estava lá, observando os rapazes passando a toda hora, desfilando seus ares de virilidade e extremamente sedutores. E aí, rapaz, você, como quem não quer nada, chegou de novo. Um beijo, um abraço e um ar de quem não está nem aí. Mas desta vez, rapaz... ah, desta vez foi tudo diferente. Eu já sabia o que ia acontecer depois. Na primeira vez foi um jogo. Um bom jogo. Você passou, me olhou e já queria logo ir pra sua casa. Foi tudo muito bom, rapaz. As longas noites passadas em claro. O calor dos corpos que, apressados, insistiam em ficar juntos. Bebidas, o cheiro do cigarro que eu tanto gostava, o bom e velho disco tocando enquanto a gente... ah, a gente, rapaz. E sabe de uma coisa? Eu não me arrependo não. Até faria tudo de novo, mas na noite passada, eu já sabia tudo o que ia acontecer. Eu já sabia que você ia embora. E não se culpe, rapaz. Ninguém tem culpa. É o destino, embora não acredite nem um pouco nele. E você... é, você ainda insiste que um dia a gente ainda se esbarra por aí. Você e essa sua conversa mole, fraca de que não quer se envolver. Eu estou na casa nova, você lembra, rapaz? Lembra da parede que você ia pintar? Então, ela já foi pintada. Vou colar umas gravuras nela, uns quadros. Quero um quadro da Janis. Gosto muito mais da Janis do que daquelas músicas que você colocava pra gente. Agora você está indo embora, como eu já sabia, porque eu sou assim mesmo. Vivo espantando as pessoas. Cuido, curo e deixo livre para voar. E sempre voa, rapaz. Você sempre voa. Aí eu fico aqui, acendo o meu cigarro, peço outra cerveja e fico aqui. Mas eu achei que você ia ser diferente. Não, porra nenhuma. Você é igual, eu sou igual. Saudade, rapaz, a gente só mostra se sentir de verdade. Não era pra me enrolar. Mas você vai insistir que jogou limpo comigo. E agora tá indo embora. Indo embora, mas a gente sempre se esbarra por aí, não é mesmo? Antes tínhamos nossas conversas, um mundo totalmente novo a ser desvendado. Agora eu já sei tudo. Sei que você gosta daquele cara dos Beatles, sei a marca do cigarro vagabundo que você acende e que me deixa louca. Sei que você tem esse ar de derrotado que tanto me irrita e ainda sonha que vai ficar rico jogando na porra da loteria. Sei que você é inseguro, é menino e que vai ficar sozinho. É triste, rapaz, mas eu vou ficar sozinha também. A cartomante me falou. Você acredita em cartomantes? Eu não. Mas ela me falou que vou ficar sozinha, justamente porque não sei escolher, rapaz. Olha só que ironia, não?! Então, eu vou estar lá sozinha e você sozinho também. E aí você vai falar: Ah, querida, a gente se esbarra. Mas fique esperto, rapaz, que eu não sou dessas. A única coisa que nos liga agora é o livro. E você está gostando da leitura? É pra te fazer chorar mesmo, sofrer. Mas quero o meu livro de volta. E não precisa fingir que gostou não. Você nem leu, não é? Então, rapaz, vá se foder. É só isso que eu tenho pra te falar agora. Devolva a porra do livro, seja feliz e vá se foder. Quando você estiver lá na sua imensa solidão, aí você vai se lembrar. Ah, querida, a gente se esbarra, não é mesmo? É sim, rapaz, a gente se esbarra.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário