quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Perder e Ganhar

As coisas são mesmo engraçadas. Cá estou, em mais um dia que se resume a pensar e, de repente, não mais que de repente, o telefone toca. Do outro lado, a voz é de uma mulher, na verdade, de secretária (tão doce que chega a ser bem chatinha – perdoem-me as secretárias e suas vozes doces que articulam tão bem cada palavra que dá até vergonha de manter uma conversa e acabamos mesmo no “pode ser para segunda, muito obrigada). Mas não quero falar sobre as secretárias, na verdade, nem quero falar sobre essa ligação. A secretária liga e chama pelo Jarbas que, por sinal, eu nem conheço. Mas poderia conhecer, levando em conta o fato de que pessoas aparecem e somem com tanta facilidade de nossas vidinhas chatinhas (como as vozes das secretárias).

Sonhei com uma pessoa. Geralmente, nunca me lembro dos meus sonhos e por isso, sempre desconfio que não sonho. Isso me traz uma sensação péssima, é como se eu estivesse vazia. Mas no sonho me encontrei com uma amiga de muito tempo, essas que a gente não vê desde a época do colégio. E ela tinha o mesmo rosto, sempre sorrindo, mas o cabelo era muito diferente, o que me fez desconfiar de que não fosse ela. E o sonho se resume a duas falas: “Quanto tempo!”. “Fui chamada para gravar uma novela na Globo”. Acordei e a sensação foi muito mais estranha do que a de não sonhar. Ela nunca quis ser atriz, estou pensando isso até agora, mesmo sabendo que não é verdade. Mas esse sonho me fez perceber como as pessoas se perdem no caminho e como, impreterivelmente, achamos outras. Veja o Jarbas ou até mesmo a secretária. De repente foram jogados na minha vida. Assim como o andarilho que observo todos os dias enquanto vou para o trabalho ou aquela criança que sempre está esperando alguém para buscá-la na porta da escola. E o cara que sempre vejo no ônibus? O engraçado é que eles estão na minha vida, mas talvez eu não esteja na deles. Será que eles já perceberam e me levaram para suas vidas? E é engraçado perceber que não precisamos conhecer, digo, manter uma relação, para que pessoas se somem às nossas vidas.

Mas e as que se perdem por aí? Essas são, quase sempre, as que você nunca pensou em perder. Que você sabia que iam estar na sua vida para sempre. Essas, com certeza, se perdem com maior facilidade. Saem, talvez, de forma muito mais brusca do que entraram. Mas a vida é assim, não é? Perdas e ganhos. Para uns, perdas. E mesmo assim, seguimos tocando nossas vidinhas, sempre abertas para receber. E digo que essas pessoas que aparecem assim, feito um Jarbas, são as melhores aquisições. Você conhece o Jarbas? Eu também não. Esse é o barato. Ele pode ser o cara do ônibus, o pai da menina da porta da escola ou o andarilho. Mas ele também pode ser alguém que mora lá no Japão, um mafioso na Itália ou o vizinho do apartamento de baixo. Não importa. De uma forma meio torta, ele acabou entrando na minha vida. E pensando de uma forma mais profunda (isso dá medo) ele também acabou de sair. Eu não conheço o Jarbas. A amiga do sonho, que estava perdida, ao ser sonhada, voltou. Nem que seja apenas naquele instante, ela entrou novamente em minha vida. Mas saiu assim que acordei. O Jarbas entrou na minha vida assim que atendi o telefone e a secretária disse “Jarbas”. Saiu depois do “muito obrigada”.

Agora estou aqui, ouvindo o Dorival Caymmi cantar “Marina Morena” e pronto. Mais uma aquisição para minha vida. A tal Marina. Por qual motivo a Marina gosta de se pintar? Ela é da Bahia? De Belo Horizonte? Do mundo? Não sei, só sei que ganhei Marina e alguns minutos depois, a perdi. A música acabou. Desliguei o telefone. Levantei da cama.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Vontade

Não estou a fim de levantar às 8. De ouvir o despertador e implorar por mais cinco minutinhos. Não estou a fim de andar pela casa, dar bom dia e escovar os dentes. Não estou a fim de arrumar a bagunça, achar o sapato e entrar pro banho. Não estou a fim de escolher uma roupa, secar o cabelo, pintar o rosto. Não estou a fim do tênis de bolinhas e da calça dois números maior. Não estou a fim de dizer novamente que o quarto é meu e que o sutien fica pendurado. Não estou a fim de ligar o computador, zapear pela TV, ler em espanhol ou ler o jornal. Não estou a fim de pegar o carro e sair por aí. Não estou a fim de parar no sinal, dar tchauzinho e sorrir para estranhos. Não estou a fim de ser educada, achar uma vaga, manobrar o carro. Não estou a fim de abrir a sombrinha, de pegar chuva, de ir ao dentista. Não estou a fim de abrir a boca, dizer que está tudo bem quando nem eu estou bem. Não, hoje não estou a fim de andar até a loja, comprar roupa, comprar nada. Não estou a fim de comer na rua, de comer em casa, de comer. Não estou a fim de chegar atrasada e de sair cedo. De tomar o remédio e lembrar o que já esqueci. Não estou a fim de olhar o relógio, de passar da hora, de passar da conta. Não estou a fim de atravessar a rua, atravessar a vida, atravessar o mundo. Não estou a fim de entrar no carro, de voltar, de sentar, de escrever. Definitivamente, não estou a fim, embora já tenha feito tudo isso.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Entrando no clima das discussões aqui de casa

E se existisse o emprego perfeito? Tá bom, você vai dizer que já existe (dããã). E eu digo que não. Cuidar de uma ilha na Austrália não é o emprego perfeito, até porque, pense bem, uma I.L.H.A na A.U.S.T.R.Á.L.I.A, tipo, Lost. Além do mais, esse é o “emprego dos sonhos”, não o “emprego perfeito” (te peguei. Dããã!). Então, voltando ao assunto do emprego perfeito. Não vou dizer o que cada um que pensou nisso faz. Para os que sabem, sejam legais e finjam que não sabem. Minha irmã reclama do volume de trabalho. O clima também é ruim, paciente gasta paciência. Minha mãe reclama do volume de trabalho, principalmente do trabalho que ela traz para casa. A taxa de analfabetismo e esfaqueamentos também cansa. Meu pai reclama do volume de trabalho. O cheque sem fundo e o PROCON também cansa. Eu reclamo...bom, eu não reclamo, ainda. Sou estagiária e, portanto, me reservo ao direito (leia-se dever) de ficar calada. Resumindo, todos trabalham demais. E como seria esse tal emprego perfeito? Minha irmã responde: sem chefe, salário alto, pouco trabalho, na sua casa. E eu respondo: Já existe. E foi criado por aquele povo que mora em Brasília (dããã). Mais uma discussão chega ao fim.

Sobre a chuva

Bethânia mandou dizer que “se fizer bom tempo amanhã eu vou, mas se, por exemplo, chover, não vou”. Mesmo se o sol resolver aparecer, grande parte da população da região serrana do Rio, dos estados de São Paulo, Minas e tantos outros não vão a lugar algum. Até porque, não há mais lugar para se ir.

As casas desmancharam com a chuva. De açúcar? Quase isso. Em lugares perigosos, na beira de morros, em encostas, no centro da cidade, não importa, São Pedro resolveu carregar tudo. O tudo inclui tudo: de paredes a telhados, moveis a carros, bichos a pessoas. Não é a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira... Isso é o que preocupa. Todos os anos a chuva passa. Leva com ela casas, cidades, carros, pessoas, mas passa. Este ano irá passar novamente, mas o estrago, talvez seja irreparável.

Alerta. Após mais de 500 mortes só na região serrana do Rio, cidades destruídas e outros prejuízos é que usamos a palavra alerta. Engraçado, alerta é uma das palavras que usamos para avisar que algo vai acontecer. Será que ainda devemos ficar alerta para situações mais terríveis? Creio que já sofremos muito e, no final, tudo passa não é mesmo? Deve ser isso que se passou pela cabeça das autoridades. Alerta. Mas minha casa fica longe desses locais. Egoísmo, impunidade, deboche. Isso vem com a palavra alerta. As pessoas que tiveram suas casas destruídas e as que foram destruídas junto com as casas não deviam conhecer o significado desta palavra. Alerta. Previnam-se do sofrimento, da angústia, da dor, para que assim, possam enfrentar algumas adversidades. Sem telefone, sem água potável, sem ter para onde correr, pessoas lutam. Sobem e descem morros. Cavam a terra como cachorros atrás do osso escondido. Choram, as crianças, os adultos como crianças. E sentem dor, uma imensa dor que poderia ter sido amenizada (talvez evitada soe drástico demais) se alerta tivesse chegado antes ao vocabulário desses pobres.

Vivemos em uma sociedade desigual. Renda mal distribuída. Recursos mal distribuídos. Palavras mal distribuídas. Tudo está concentrado nas mãos dos poucos, mas muito poderosos, inclusive a palavra alerta. Essa eles resolveram dividir agora que é para não pensarmos que eles são tão ruins.

Enquanto isso, a menina que perdeu casa, roupas, brinquedos, irmão, pai, mãe, avó... chora. A mãe chora a morte do filho que ainda está debaixo da lama. O pai morre para salvar a criança. A mulher joga o cachorro para salvar a própria vida. É a selva. Bicho comendo homem. Chuva comendo homem. Homem comendo homem. Até quando? Isso já foi perguntado. Quem vai responder?

PS: Até o poeta (Tom também é poeta) já desconfiava. É o fundo do poço, é o fim do caminho. No rosto o desgosto, é um pouco sozinho. E cantou. É o projeto da casa, é o corpo na cama. É o carro enguiçado, é a lama, é a lama. Mas naquele tempo, alerta ainda nao tinha sido distribuída. São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração. Ficou apenas a promessa e a canção, porque o resto, a chuva se encarregou de levar.