Bethânia mandou dizer que “se fizer bom tempo amanhã eu vou, mas se, por exemplo, chover, não vou”. Mesmo se o sol resolver aparecer, grande parte da população da região serrana do Rio, dos estados de São Paulo, Minas e tantos outros não vão a lugar algum. Até porque, não há mais lugar para se ir.
As casas desmancharam com a chuva. De açúcar? Quase isso. Em lugares perigosos, na beira de morros, em encostas, no centro da cidade, não importa, São Pedro resolveu carregar tudo. O tudo inclui tudo: de paredes a telhados, moveis a carros, bichos a pessoas. Não é a primeira vez, nem a segunda, nem a terceira... Isso é o que preocupa. Todos os anos a chuva passa. Leva com ela casas, cidades, carros, pessoas, mas passa. Este ano irá passar novamente, mas o estrago, talvez seja irreparável.
Alerta. Após mais de 500 mortes só na região serrana do Rio, cidades destruídas e outros prejuízos é que usamos a palavra alerta. Engraçado, alerta é uma das palavras que usamos para avisar que algo vai acontecer. Será que ainda devemos ficar alerta para situações mais terríveis? Creio que já sofremos muito e, no final, tudo passa não é mesmo? Deve ser isso que se passou pela cabeça das autoridades. Alerta. Mas minha casa fica longe desses locais. Egoísmo, impunidade, deboche. Isso vem com a palavra alerta. As pessoas que tiveram suas casas destruídas e as que foram destruídas junto com as casas não deviam conhecer o significado desta palavra. Alerta. Previnam-se do sofrimento, da angústia, da dor, para que assim, possam enfrentar algumas adversidades. Sem telefone, sem água potável, sem ter para onde correr, pessoas lutam. Sobem e descem morros. Cavam a terra como cachorros atrás do osso escondido. Choram, as crianças, os adultos como crianças. E sentem dor, uma imensa dor que poderia ter sido amenizada (talvez evitada soe drástico demais) se alerta tivesse chegado antes ao vocabulário desses pobres.
Vivemos em uma sociedade desigual. Renda mal distribuída. Recursos mal distribuídos. Palavras mal distribuídas. Tudo está concentrado nas mãos dos poucos, mas muito poderosos, inclusive a palavra alerta. Essa eles resolveram dividir agora que é para não pensarmos que eles são tão ruins.
Enquanto isso, a menina que perdeu casa, roupas, brinquedos, irmão, pai, mãe, avó... chora. A mãe chora a morte do filho que ainda está debaixo da lama. O pai morre para salvar a criança. A mulher joga o cachorro para salvar a própria vida. É a selva. Bicho comendo homem. Chuva comendo homem. Homem comendo homem. Até quando? Isso já foi perguntado. Quem vai responder?
PS: Até o poeta (Tom também é poeta) já desconfiava. É o fundo do poço, é o fim do caminho. No rosto o desgosto, é um pouco sozinho. E cantou. É o projeto da casa, é o corpo na cama. É o carro enguiçado, é a lama, é a lama. Mas naquele tempo, alerta ainda nao tinha sido distribuída. São as águas de março fechando o verão. É a promessa de vida no teu coração. Ficou apenas a promessa e a canção, porque o resto, a chuva se encarregou de levar.
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